domingo, 27 de julho de 2008

CAPÍTULO 1 (parte 2/3)

Havia boatos de que a revista tinha perdido, para sua concorrente mais perigosa, a revista Co-fator, a liderança de tiragem editorial no país, mas ainda eram apenas boatos. Vis-à-vis já tinha consolidado sua primeira posição no ranking há algum tempo, não convocariam uma reunião como aquela para esse tipo de assunto.
Milena cogitava uma outra possibilidade, ainda que de forma remota. Sentia que poderia ser algo relacionado à matéria que estava escrevendo. Era primeira vez que escrevia sobre algo tão sério. Ela mesmo havia sugerido a pauta sobre a existência de uma arma química ou biológica, a causa de grandes e graves transtornos internacionais. No entanto essa arma nunca havia sido encontrada.
Ela estava entrando no terceiro mês de investigações e tinha descoberto coisas importantes sobre o T-rh4, uma espécie de vírus criado sinteticamente em laboratório, altamente contagioso que tivera seu DNA desenvolvido pela inteligência iraquiana e que havia supostamente desaparecido depois da queda do governo de seu idealizador.
Os Estados Unidos procuravam esse vírus desesperadamente, já que somente ele poderia justificar a invasão naquele país e assim desfazer o enorme mal estar que havia se instaurado pelo mundo. Não havia armas químicas, mas queriam ao menos provar que biológicas existiam.
Era alarmante, um vírus potencialmente tão nocivo, havia simplesmente desaparecido sem vestígios e o caso era simplesmente ignorado, ou abafado pela imprensa mundial. Negociações no mercado negro indicavam uma grande possibilidade do vírus realmente existir.
Essa era a primeira matéria de vulto que Milena fazia, e seus argumentos eram bons, com certeza conseguiria uma boa repercussão. O que ela havia descoberto deixaria a opinião pública mundial assombrada.
Por isso aquela reunião parecia tão estranha para Milena. Tanta urgência poderia ser alguma sanção, afinal nunca se sabe com que “poderoso” ela podia ter se indisposto no caminho. Mesmo assim não queria intromissões em sua matéria – Liberdade de imprensa já! – pensou formulando argumentos de defesa caso fosse rechaçada.

Mal conseguiu tomar seu café expresso, como um furacão o Sr. Morales arrastou os eleitos para sala de reuniões, faltaram assentos, Murilo, o único estagiário na reunião sobrou em pé, ele acomodou-se ao fundo da sala onde poderia observar a todos, principalmente as mulheres.
Sr. Morales era um dos cardeais da revista, o todo-poderoso editor chefe, um verdadeiro déspota que centralizando tantos poderes e de maneira tão autoritária acabou se tornando quase um ditador, "o ditador-chefe da revista", como o chamavam pelos corredores. Seus 130 kg eram poucos admirados naquela redação.
O homem de aspecto asqueroso era a única coisa que desagradava Milena em seu local de trabalho. Não entendia como uma revista como aquela, tão moderna, tão progressista, podia ter a sua frente um homem como Armindo Morales.
Os ânimos já andavam alterados porque há menos de um mês houvera uma grande mudança de acionistas, o que deixava a revista nas mãos de novos donos.

A notícia tinha pego a todos de surpresa, e isso dava aos funcionários uma tênue esperança que os editores fossem substituídos, mesmo sendo inegável o talento de Morales. Milena não gostava de assumir nem a si mesma, mas tinha uma discreta pretensão de um dia ser a editora chefe da revista Vis-à-vis. – “Milena Sampaio - editora chefe” – devaneou mais uma vez enquanto todos se acomodavam.
Morales largou sobre a mesa um amontoado de papéis e pastas recheadas de arquivos. Ajeitou-se sobre as pernas e acendeu um de seus charutos mal cheirosos – era proibido fumar ali, isso valia para todos, menos para ele. O homem estava visivelmente agitado. Em menos de uma hora de monólogo a reunião estava encerrada.
Milena saiu da reunião com uma forte dor de cabeça, ia direto pra casa pensar sobre as coisas que tinha ouvido naquela sala e que provavelmente mudariam o rumo de sua vida.
Pouco antes da porta do elevador se fechar o Sr. Morales que a acompanhava até ali, frisou com sua voz rouquenha o que ela já sabia: – Nem mais um minuto, eu preciso da sua resposta hoje, até às 15 hs! Tem muita coisa em jogo menina, não me decepcione! – e a porta fechou. Totila tentou alcançar o elevador, mas Milena precisava de paz, muita paz.

***

Como o combinado Oscar chegou no restaurante para vê-la pontualmente ao meio-dia, significando que já havia superado o episódio da noite passada, nem de se atrasar ele era capaz. Milena o esperava com um sorriso amarelo e muita ansiedade.
– Fala Lena, o que de tão importante você tem pra me dizer, amor? – Oscar acomodou-se a mesa depois de beijá-la. Não seria fácil a conversa. Milena estava tensa e esgotada, não tinha conseguido dormir depois da reunião na revista. Antes de começar bebeu a água com gás que estava sobre a mesa. A água desceu com dificuldade por sua garganta.
Em menos de vinte minutos pode-se ouvir o pneu da caminhonete importada de Oscar cantando em frente ao restaurante, por pouco não atropelou uma senhora que passava desavisada pela rua. Como o esperado, ele não havia compreendido.
(continua...)

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