quarta-feira, 30 de julho de 2008

CAPÍTULO 1 (parte 3/3)

Após ter jogado os documentos em cima da mesa o Sr. Morales explicou o motivo da reunião coruja.
O homem geralmente era seco e pouco polido, mas dessa vez estava cheio de convenções. A reunião com os maiorais da revista era a respeito de uma nova pauta, e ele queria que toda nata da editora estivesse atenta e unida entorno aquele grande acontecimento.
Tratava-se de um furo de reportagem gigantesco – explicou justificando o adiantado da hora – não era nada sobre tráfico de drogas n’algum morro, nada de corrupção no congresso, nada de ciclones extra-tropicais no sul, ou coisas do gênero. Era um outro tipo de tema que ele propunha, e se fosse bem aproveitado poderia alavancar o nome da revista a magnitudes internacionais.
– Nós vamos a partir dessa matéria estender o leque de interesse da nossa vertente editorial, agora sim poderemos ser ímpares no que se refere a variedades. Nenhuma outra revista investiu tanto e em tão pouco tempo, vamos melhorar a qualidade da impressão, o design gráfico ficará mais moderno, o número de páginas quase dobrará em algumas edições, estamos providenciando novas contratações estelares. Eu falo não só de uma matéria, eu falo de uma pequena revolução que surgirá junto com esse carro chefe! – o homem estava empolgado, com certeza a verba extra incluía um bom acréscimo em seu contra-cheque.
Ele explicou que o novo acionista da revista, estava em viagem pelo Egito e acabou, por acaso, descobrindo o que a população local tentava manter em segredo.
Descobriu-se enterrada no deserto, relativamente próximo ao sítio arqueológico de Deir El-Bahari na margem do Rio Nilo, mais uma pirâmide egípcia, maior e mais antiga que as famosas pirâmides de Queóps, Quefrim e Miquerinos. O monumento estava soterrado num enorme vale, estranhamente coberto por rochas e areia, particularmente muito bem ocultado. Centenas de outros mistérios estariam relacionados a essa descoberta.
Como não se sabe ao certo quase nada sobre o monumento, batizaram-no como “A Pirâmide do Faraó Desconhecido”. Enfim, um prato cheio pra qualquer jornalista do mundo.
Milena escutava as explanações do chefe se perguntando o que tinha ela a ver com aquilo, nem mesmo havia entregue a pré-reportagem sobre o vírus T-rh4. No entanto, o que mais surpreendeu a todos na reunião, e principalmente a Milena foram às palavras do Sr. Morales:
–... e para cobrir esse caso e descobrir o que está acontecendo no Egito à indicada pela casa é você Milena Sampaio! – todos os olhares correram em direção a jovem que pareceu afundar na cadeira. – E nem fui o autor da idéia, embora tenha minha total anuência! O novo dono da revista conhece seu trabalho e fez questão que fosse você a jornalista enviada, eu concordei, afinal “o diabo sabe mais por ser velho que por ser diabo!”
Milena não deu atenção aos ditados com que o Sr. Morales costumava ilustrar suas decisões. Sua preocupação maior foi à necessidade que ela viajasse o mais depressa possível para Luxor, a cidade mais próxima da provável localização da pirâmide.
Ainda que aquela não fosse sua área, nem mesmo o foco temático da revista, Milena ficou honrada com o convite, como não ficar honrada com tamanha confiança? Era a realização de um sonho que ela ainda nem tivera ousadia de sonhar.
Outra exigência do proprietário da revista foi que um outro jornalista a acompanhasse, daria mais credibilidade ao artigo. A reportagem seria escrita a quatro mãos.
O jornalista César Hernandez era muito gabaritado, e ele sim, talhado para aquele tipo de jornalismo. César já tinha prêmios por seus trabalhos de reportagem em outras pirâmides e sítios arqueológicos especialmente em Deir El-Bahari e nos Templos de Abu Simbel. Ele trabalhava até a poucas horas para a Co-fator, a revista concorrente que tirava o sono de todos na Vis-à-vis.
Só a troca de editora do jornalista César já causaria um alvoroço na imprensa, o que era previsto pela raposa velha do Sr. Morales, ele assim teria os olhos do Brasil voltados para o caso. Milena era uma mulher bonita, jovem e carismática, César era um homem inteligente e cativante, Morales apostava na química entre os dois, em sua cabeça maquiavélica ele tinha acabado de criar uma dupla infalível. Esse seria seu golpe de misericórdia na revista Co-fator. Para Morales era uma necessidade imperiosa arrasar a revista rival – Antes a Co-fator no chão que a Vis-à-vis no topo! – sentenciou em pensamento.
– Esse menino, Murilo, vai ser o seu assistente e colaborador pessoal. Não vai junto pro Egito, claro, mas você vai precisar de alguém que lhe ajude. Acho que ele pode ser bem útil, ele é meio marrento, mas é um bom garoto!
Os olhos de Murilo brilhavam no fundo da sala, ele era um rapaz encorpado, bonito, mas um pouco imaturo, como dizia o Sr. Morales: com os hormônios em ebulição. Ele mal conseguia acreditar naquela chance que emergia a sua frente. Tinha sido contratado há menos de três semanas e já estava fazendo parte da história da Vis-à-Vis, era bom demais pra ele.
Murilo tinha vinte e um anos e cursava os últimos semestres de jornalismo na mesma faculdade que Milena tinha se formado. Isso já tinha os aproximado, trabalhar com ela seria outro presente, Milena não era vaidosa como a maioria dos funcionários daquela revista, além de tudo era muito bonita, e para Murilo isso também era fundamental.
Ele correu pra casa, como Milena não conseguiria dormir aquela noite, estava muito ansioso. Tentou buscar o sono pesquisando sobre as pirâmides na internet, desistiu, a rede estava muitíssimo lenta, isso aumentaria sua ansiedade. Preferiu esperar o sono na cama, enquanto rezava, afinal Milena ainda não tinha aceitado a proposta.



***



Oscar não tinha visto a notícia com os mesmos olhos profissionais de Milena. Nenhum argumento o havia convencido, nada poderia persuadi-lo. A mais remota possibilidade de adiar outra vez o casamento era inconcebível.
Agravando ainda mais a situação do casal, o anúncio da festa já havia saído em todas as colunas sociais do Brasil e até de fora do país, já que o pai de Oscar era grande acionista de algumas multinacionais bem conceituadas. A família quatrocentona do jovem já estava chegando de todas as partes do mundo para os esponsais do herdeiro Martins de Alcântara.
O pai de Oscar e futuro sogro de Milena, o altivo Egmar Martins de Alcântara era detentor de umas das maiores fortunas do país, ele nunca havia aprovado o casamento e de longa data nutria um profundo e gratuito desafeto por Milena. Com certeza transformaria esse episódio numa catástrofe monumental e irreparável. Oscar não suportaria essa humilhação diante do pai.
Oscar manteve-se mouco as súplicas de Milena para adiar o casamento, e por menos que ela quisesse, podia entendê-lo, e até concordava com suas razões. No lugar de Oscar agiria da mesma forma. Ela chegou a sugerir, inutilmente, que eles se cassassem no próprio Egito.
Milena voltou para redação depois do almoço, completamente abalada com a reação do noivo, queria realmente que as coisas fossem diferentes. Seus colegas observavam seus passos à distância, alguns contentes pelo seu sucesso, outros com inveja, ninguém indiferente.
– Pra você Milena, chegou a pouquinho! – Milena foi desperta de seus pensamentos por Murilo que trazia um buquê de rosas muito bem arrumadas num lindo arranjo. Sentiu um calor no coração. Murilo estava adorando aquela subserviência consentida, não desejava factualmente Milena, na visão dele bastava estar próximo daquele monumento de mulher.
As rosas tinham chego na redação antes mesmo que ela. Ao longe pode ver o rosto feliz de Totila Kochi torcendo por uma reconciliação, ela era a mais fiel entre suas amigas.
O cartão não dizia exatamente o que a jovem desejava. Oscar numa derradeira tentativa de demovê-la da idéia de viajar, deixou claro seu apelo e sua decisão irrevogável de não adiar o casamento.
Três coisas ficaram claras na mente de Milena, e eram certas: 1ª – Oscar era o homem de sua vida; 2ª – aquela reportagem no Egito era a chance de sua vida; 3ª – ela não poderia ter as duas coisas!

Nem bem o prazo se extinguiu e o Sr. Morales a esperava em sua sala, Murilo por perto torcia pelo sim de Milena. Morales como um inquisidor a encarava ciosamente e entre uma baforada e outra esperava uma resposta.

terça-feira, 29 de julho de 2008

MAU DIA

O dia amanheceu
O pior que podia me acontecer
Não só pela noite que morreu
Mas pelo simples fato dele nascer


Negro conta-gotas do tempo
Não ajuda essa chuva passar
E o que ela traz com todo esse vento
É tudo aquilo que não há como escapar


o sol, geralmente narcótico
Nem esse me anestesia
maldito jogo caótico
não há, onde antes havia


Derramei a angustia no papel
Buscando pra tudo isso um fim
E quando a lua voltar para o céu
Quem sabe ela brilhe pra mim


(João Francisco Viégas - 2001)

domingo, 27 de julho de 2008

CAPÍTULO 1 (parte 2/3)

Havia boatos de que a revista tinha perdido, para sua concorrente mais perigosa, a revista Co-fator, a liderança de tiragem editorial no país, mas ainda eram apenas boatos. Vis-à-vis já tinha consolidado sua primeira posição no ranking há algum tempo, não convocariam uma reunião como aquela para esse tipo de assunto.
Milena cogitava uma outra possibilidade, ainda que de forma remota. Sentia que poderia ser algo relacionado à matéria que estava escrevendo. Era primeira vez que escrevia sobre algo tão sério. Ela mesmo havia sugerido a pauta sobre a existência de uma arma química ou biológica, a causa de grandes e graves transtornos internacionais. No entanto essa arma nunca havia sido encontrada.
Ela estava entrando no terceiro mês de investigações e tinha descoberto coisas importantes sobre o T-rh4, uma espécie de vírus criado sinteticamente em laboratório, altamente contagioso que tivera seu DNA desenvolvido pela inteligência iraquiana e que havia supostamente desaparecido depois da queda do governo de seu idealizador.
Os Estados Unidos procuravam esse vírus desesperadamente, já que somente ele poderia justificar a invasão naquele país e assim desfazer o enorme mal estar que havia se instaurado pelo mundo. Não havia armas químicas, mas queriam ao menos provar que biológicas existiam.
Era alarmante, um vírus potencialmente tão nocivo, havia simplesmente desaparecido sem vestígios e o caso era simplesmente ignorado, ou abafado pela imprensa mundial. Negociações no mercado negro indicavam uma grande possibilidade do vírus realmente existir.
Essa era a primeira matéria de vulto que Milena fazia, e seus argumentos eram bons, com certeza conseguiria uma boa repercussão. O que ela havia descoberto deixaria a opinião pública mundial assombrada.
Por isso aquela reunião parecia tão estranha para Milena. Tanta urgência poderia ser alguma sanção, afinal nunca se sabe com que “poderoso” ela podia ter se indisposto no caminho. Mesmo assim não queria intromissões em sua matéria – Liberdade de imprensa já! – pensou formulando argumentos de defesa caso fosse rechaçada.

Mal conseguiu tomar seu café expresso, como um furacão o Sr. Morales arrastou os eleitos para sala de reuniões, faltaram assentos, Murilo, o único estagiário na reunião sobrou em pé, ele acomodou-se ao fundo da sala onde poderia observar a todos, principalmente as mulheres.
Sr. Morales era um dos cardeais da revista, o todo-poderoso editor chefe, um verdadeiro déspota que centralizando tantos poderes e de maneira tão autoritária acabou se tornando quase um ditador, "o ditador-chefe da revista", como o chamavam pelos corredores. Seus 130 kg eram poucos admirados naquela redação.
O homem de aspecto asqueroso era a única coisa que desagradava Milena em seu local de trabalho. Não entendia como uma revista como aquela, tão moderna, tão progressista, podia ter a sua frente um homem como Armindo Morales.
Os ânimos já andavam alterados porque há menos de um mês houvera uma grande mudança de acionistas, o que deixava a revista nas mãos de novos donos.

A notícia tinha pego a todos de surpresa, e isso dava aos funcionários uma tênue esperança que os editores fossem substituídos, mesmo sendo inegável o talento de Morales. Milena não gostava de assumir nem a si mesma, mas tinha uma discreta pretensão de um dia ser a editora chefe da revista Vis-à-vis. – “Milena Sampaio - editora chefe” – devaneou mais uma vez enquanto todos se acomodavam.
Morales largou sobre a mesa um amontoado de papéis e pastas recheadas de arquivos. Ajeitou-se sobre as pernas e acendeu um de seus charutos mal cheirosos – era proibido fumar ali, isso valia para todos, menos para ele. O homem estava visivelmente agitado. Em menos de uma hora de monólogo a reunião estava encerrada.
Milena saiu da reunião com uma forte dor de cabeça, ia direto pra casa pensar sobre as coisas que tinha ouvido naquela sala e que provavelmente mudariam o rumo de sua vida.
Pouco antes da porta do elevador se fechar o Sr. Morales que a acompanhava até ali, frisou com sua voz rouquenha o que ela já sabia: – Nem mais um minuto, eu preciso da sua resposta hoje, até às 15 hs! Tem muita coisa em jogo menina, não me decepcione! – e a porta fechou. Totila tentou alcançar o elevador, mas Milena precisava de paz, muita paz.

***

Como o combinado Oscar chegou no restaurante para vê-la pontualmente ao meio-dia, significando que já havia superado o episódio da noite passada, nem de se atrasar ele era capaz. Milena o esperava com um sorriso amarelo e muita ansiedade.
– Fala Lena, o que de tão importante você tem pra me dizer, amor? – Oscar acomodou-se a mesa depois de beijá-la. Não seria fácil a conversa. Milena estava tensa e esgotada, não tinha conseguido dormir depois da reunião na revista. Antes de começar bebeu a água com gás que estava sobre a mesa. A água desceu com dificuldade por sua garganta.
Em menos de vinte minutos pode-se ouvir o pneu da caminhonete importada de Oscar cantando em frente ao restaurante, por pouco não atropelou uma senhora que passava desavisada pela rua. Como o esperado, ele não havia compreendido.
(continua...)

sábado, 26 de julho de 2008

sexta-feira, 25 de julho de 2008

CAPÍTULO 1 (parte 1/3)


Já passava das duas horas da madrugada e a cidade parecia ter adormecido, ou pelo menos parte dela. A campainha estridente e impiedosa do telefone ecoou pelo quarto comprovando que nem toda metrópole repousava tranqüila, alguém estava acordado e ao telefone. Foi preciso mais de dois toques para que ele despertasse de um sono recentemente profundo.
Foi tateando até encontrar o abajur sobre o criado-mudo, e o acendeu impaciente. Sabia que ligações na madrugada geralmente não traziam boas notícias.
Desvencilhou-se do sono e atendeu ao telefone aliviado por interromper o ruído quase insano do aparelho.
– Alô! – Oscar deliberadamente não disfarçou a voz embargada e sonolenta. Resmungou mal-humorado confirmando que entendia o que falavam do outro lado da linha – Sim, ela está aqui do meu lado! – passou desgostoso o telefone a Milena e em seguida deixou a cama.

Oscar era noivo de Milena, quase marido, já que oficializariam o casamento em menos de duas semanas numa recepção faraônica. Cinco anos de namoro foi tempo o suficiente para terem certeza do compromisso que iam assumir, finalmente para ele e irresolutamente para ela.
Apesar da proximidade do casamento, as coisas não iam tão bem entre os noivos; Milena já havia desmarcado a cerimônia em uma outra ocasião e essa parecia ser a última chance de um final feliz no relacionamento. Tratava-se de um ultimato. Por Oscar já teriam casado há muito tempo, mas ela havia adiado a decisão o mais tempo que pode.
Milena Sampaio tinha uma vivacidade ímpar, com vinte e sete anos e uma inquietude adolescente aliada a uma responsabilidade madura. Era de uma alegria quase que febril, compartilhada somente com os amigos mais íntimos, por isso era considerada, pelos injeitados, um pouco esnobe. Seus cabelos castanhos muito finos e lisos contornavam seu rosto amável e inteligente de quem primeiro encanta, mas só depois se revela inteiramente.
Milena havia relegado o casamento anteriormente sob pretextos de mulher moderna: terminar a faculdade e conquistar estabilidade na profissão. Agora as desculpas haviam se esgotado. Ela já era uma jornalista formada e trabalhava numa das maiores revistas do país, a carreira quase meteórica não deixava dúvidas, era hora de decidir se outorgava o pedido de casamento, ou não.

Oscar foi tomar uma ducha enquanto ela sonolenta sentou-se na cama para responder com mais atenção ao telefonema. Murmúrios revelavam que entendia o que se passava.
A ligação não demorou muito, Milena compreendeu porque Oscar tinha ido desgostoso tomar banho. Da porta do banheiro em meio à nuvem de vapor analisou-o através do box de vidro. Ele era perfeito, um tipo raro de homem.
Oscar era um rapaz alto e atlético, mantinha o rosto sempre bem barbeado, possuía olhos verdes muito expressivos, ela era capaz de saber o que ele estava pensando só olhando em seus olhos. Faltava-lhe, talvez, um pouco de confiança, típico dos filhos de pais dominadores. Educado, gentil, inteligente, fiel, e rico muito rico. Oscar Martins de Alcântara era herdeiro de uma verdadeira fortuna.
Entretanto tanta perfeição e há tanto tempo, já tinha a entediado, mas ela o amava – como não amar alguém assim? – pensou entrando com ele no box.


***

Embora estivesse sempre funcionando, a redação da revista Vis-à-vis aquela madrugada fervia. Por algum motivo os computadores estavam quase todos em pane, não se comunicavam direito, os servidores sobrecarregados reiniciavam-se sistematicamente. Um verdadeiro bug.
A sede da revista ocupava quase todo um moderno e imponente prédio no centro da cidade. Milena sentia-se realizada cada vez que entrava naquele prédio, ele representava a realização do seu projeto de vida.
Muito estudo lhe garantiu a vaga em universidade pública, um pouco de sorte e talento lhe garantiram um estágio na Vis-à-vis. Assim que se formou foi efetivada, mas ainda esperava uma boa oportunidade na revista.
Oscar, muito a contragosto havia a deixado em frente ao prédio e ido dormir em casa, furioso como um menino mimado.
Aquela convocação extraordinária era para poucos: os melhores - por isso estranhou, não sabia que já estava no primeiro time da casa. Mesmo sendo uma reunião privada, estavam lá quase todos funcionários, para saberem ao menos o que estava acontecendo de tão atípico, ainda que ficassem do lado de fora da sala.
Totila Kochi, sua melhor amiga da época da faculdade e colunista social júnior da revista estava, como ela mesma havia descrito, abaladíssima com o evento incomum.
– Ai Lena! Essa reunião vai ser devastadora amiga, cuidado! Comentam por ai tanta coisa! Graças a Deus que não fui convocada! – ela acompanhou Milena até a sala de reuniões. – Você sabe porque não me convocaram? Me sinto rejeitada! A rejeição é devastadora na vida de uma mulher... Acredita que chamaram até aquele degenerado do Murilo, imagina, um estagiário foi convocado e eu não! – Totila podia ser sua melhor amiga, mas era um tanto prolixa, Milena deu um jeito de despistá-la e foi direto para máquina de café.
(continua...)

quarta-feira, 16 de julho de 2008

Te olho nos olhos...



Te olho nos olhos e você reclama
Que te olho muito profundamente.

Desculpa,
Tudo que vivi foi profundamente…
Eu te ensinei quem sou…
E você foi me tirando…
Os espaços entre os abraços,
Guarda-me apenas uma fresta.

Eu que sempre fui livre,
Não importava o que os outros dissessem.

Até onde posso ir para te resgatar?

Reclama de mim, como se houvesse a possibilidade…
De me inventar de novo.

Desculpa…se te olho profundamente,
Rente à pele…
A ponto de ver seus ancestrais…
Nos seus traços.

A ponto de ver a estrada…
Muito antes dos seus passos.

Eu não vou separar as minhas vitórias
Dos meus fracassos!

Eu não vou renunciar a mim;

Nenhuma parte, nenhum pedaço do meu ser
Vibrante, errante, sujo, livre, quente.

Eu quero estar viva e permanecer
Te olhando profundamente."

Composição: Ana Carolina (show 2/4)

segunda-feira, 14 de julho de 2008

1 era bom, 2 ficou melhor, mas 3 não deu...

Começo bem:
"Se na bagunça do teu coração

Meu sangue errou de veia e se perdeu"
Tom Jobim e Chico Buarque

A casa caiu!

Mais um dos meus preceitos foi-se por água abaixo.

A vida, essa matreira, esta conseguindo minar meus dogmas, minhas diretrizes. E eu aqui, atônito vendo a bola de neve cada vez maior se aproximando perigosamente. Mas a vida esta aí pra isso afinal. Desmistificar, ensinar, bater. E bater com mão pesada!

Ta certo que as coisas do coração são mesmo dúbias, imperfeitas, imprevisíveis, mas comigo não!

Olhando um pouco para trás vejo meu primeiro amor. Hoje já posso vê-lo como quem tem nas mãos o laudo da autopsia. Vejo todos os erros que cometi e que me foram permitidos por ser minha primeira tentativa, que na época soava como única. O amor foi muito bacana, o ser amado nem tanto!

Mas no fim, entre as cinzas sempre acaba sobrando algo de bom.
Acho que se eu fizesse terapia até poderia descobrir o que de bom ficou, mas como não tenho um bom terapeuta ainda não sei o que ‘de bom ficou’, mas meu incorrigível otimismo diz que ali, em meio aos destroços há algum fruto doce.

Quase uma década depois (namoro + fim + idas & voltas + fim + recuperação), quando pensei que ser solteiro era a minha herança, e era muito bem-vinda, heis que surge no horizonte um novo amor. Pra quem duvidava provou-se que havia vida ali.

Prontamente meus sonhos utópicos oriundos da infância interiorana estavam novamente em polvorosa! Amor, entrega, química, fidelidade, paz, romance, casa, casamento, carro, filhos, cachorro e papagaio, quem sabe até uma tartaruga!

Melhor de tudo! Um amor correspondido a altura! Assim não vale, é bom demais!

Mas o poeta alertou que no meio do caminho havia uma pedra, uma pedra gigantesca, uma montanha! O sofisma do meu amor indefectível. Minha nebulosa!

Eu que sou inteiro, me vi como 1/3! Eu que não era uma metade em busca de outra metade, me descobri 1/3!

Novamente parafraseando “O amor é uma faca com dois gumes fatais. Não amar é sofrer. A amar é sofrer mais”, eu completo a frase dizendo que amar duas vezes é sofrer muito mais ainda!

Não que seja novidade ou uma invenção minha, mas viver isso é uma experiência ingrata, inconsistente e surreal. Conheço gente que tem uma habilidade e uma destreza para essa dualidade, mas eu sou mesmo canhoto, eu sou mesmo mono, e agora me sinto bizarro.

Tento fugir do lugar comum que essa situação me põe, mas me vejo afundado, chafurdando em velhos clichês. Talvez as novelas mexicanas não sejam tão exageradas. Talvez Almodóvar não seja tão caricato. Talvez eu não saiba brincar disso!

"Quando achava que tinha todas as respostas, veio a vida e mudou todas as minhas perguntas."

sábado, 12 de julho de 2008

TÃO POUCO

Meu amor te enternece
Tua ternura me insatisfaz
Minha insatisfação te incomoda
Teu incomodo me confunde
Minha confusão te estranha
Tua estranheza me dói
Minha dor te aflige
Tua aflição me humilha
Minha humilhação te engrandece
Tua grandeza me espanta
Meu espanto te alimenta
Teu alimento me enfraquece
Minha fraqueza te afasta
Tua distância me faz te buscar
Minha busca é teu recomeço
Teu recomeço me enche de amor
Meu amor te enternece
Mas tua ternura me insatisfaz...

João Francisco Viégas (20/07/2001)

terça-feira, 1 de julho de 2008

Pirataria: direito do consumidor globalizado?


Em uma analise menos simplista podemos dizer que a pirataria é na verdade um produto, ou melhor dizendo, um sub-produto da Globalização. A Globalização traz em sua gigantesca sombra inúmeras vantagens, geralmente para uma minoria abastada e traz também diversas barbaridades para uma maioria miserável. Hoje se prega em alto e bom som a crucificação da pirataria. Alardeia-se os prejuízos causados por essa pratica ilícita como a evasão de receitas, a arrefecimento da economia, a redução dos empregos formais, a concorrência desleal com o comércio legal e até possíveis ligações com a sustentabilidade do crime organizado.

Tudo isso, no entanto, não ilustra totalmente a verdade dos fatos. A sociedade toma conhecimento apenas dos episódios que a mídia nos permite convenientemente analisar. No entanto a visão unilateral da verdade não é novidade na pauta midiática. Toda essa vilania da pirataria é exposta como convém aos donos dos meios de produção para que seja visto e assimilado pela sociedade consumidora. Não fica difícil então vislumbrar consequentemente a quem a pirataria de fato está achacando. O sofisma primário do Welfare State advindo da globalização e seus fantásticos progressos fez sua própria armadilha e agora luta contra a conseqüência do que foi causa.

A crescente massa marginalizada em decorrência de uma das facetas negativas da globalização, vê na pirataria uma saída de emergência, saída essa que busca suprir suas necessidades econômicas, já que estão excluídos dos meios de produção, e também suas necessidades consumistas, já encontram-se incluídos e alienados pela sociedade capitalista.

O comércio clandestino na verdade é uma forma, mesmo que inconsciente, de resistência, uma forma de manter- se incluso de uma maneira tortuosa na ciranda econômica e social.

O Brasil é apontado mundialmente por não combater de forma eficiente essa prática, ou seja, o capital globalizado exige atitudes estatais para proteção de quem tem mais em relação a quem tem menos, como se a presa pudesse amedrontar o predador. São os gigantes transnacionais que pressionam com seu poder potencializado pela globalização para que se estanque essa goteira clandestina, para que assim seus oceanos não percam sequer nenhuma dessas gotas.

Não é apologia ao crime, não se trata de apoiar a usurpação do trabalho alheio, é preciso que seja enxergado verdadeiramente o que na origem significa a pirataria na sociedade moderna. O circulo vicioso que existe, de corrupção, de voracidade capitalista e de exclusão social tem que ser interrompido, mas não pelo lado quem já é historicamente prejudicado.

A maior evasão de receitas não é feita pelos piratas, nem pelos camelos e nem pelos ambulantes. A corrupção política aponta- se muito pior. O desemprego não é fruto da pirataria, ele é conseqüência da automação, da desqualificação e do monopólio industrial e tampouco a violência se alimenta do lucro de produtos pirateados.

Conclui-se que pra que haja de fato o Estado do Bem Estar Social, não é prioritário que se acabe com a pirataria, mas é imprescindível que se extingam as causas desta realidade arbitraria. Já que não é possível virar as costas para o mundo globalizado e também é impossível não sofrer com seus prejuízos as minorias, que ao menos descubra-se então uma maneira de não penalizar ainda mais a quem já se encontra na berlinda da sociedade. É inegável que o comércio clandestino é uma sangria que deve ser estancada, mas não antes extinta que a doença que a motivou, e que deve ser diagnosticada, tratada e erradicada.

João Francisco Viégas (07/2008)
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