quarta-feira, 30 de julho de 2008

CAPÍTULO 1 (parte 3/3)

Após ter jogado os documentos em cima da mesa o Sr. Morales explicou o motivo da reunião coruja.
O homem geralmente era seco e pouco polido, mas dessa vez estava cheio de convenções. A reunião com os maiorais da revista era a respeito de uma nova pauta, e ele queria que toda nata da editora estivesse atenta e unida entorno aquele grande acontecimento.
Tratava-se de um furo de reportagem gigantesco – explicou justificando o adiantado da hora – não era nada sobre tráfico de drogas n’algum morro, nada de corrupção no congresso, nada de ciclones extra-tropicais no sul, ou coisas do gênero. Era um outro tipo de tema que ele propunha, e se fosse bem aproveitado poderia alavancar o nome da revista a magnitudes internacionais.
– Nós vamos a partir dessa matéria estender o leque de interesse da nossa vertente editorial, agora sim poderemos ser ímpares no que se refere a variedades. Nenhuma outra revista investiu tanto e em tão pouco tempo, vamos melhorar a qualidade da impressão, o design gráfico ficará mais moderno, o número de páginas quase dobrará em algumas edições, estamos providenciando novas contratações estelares. Eu falo não só de uma matéria, eu falo de uma pequena revolução que surgirá junto com esse carro chefe! – o homem estava empolgado, com certeza a verba extra incluía um bom acréscimo em seu contra-cheque.
Ele explicou que o novo acionista da revista, estava em viagem pelo Egito e acabou, por acaso, descobrindo o que a população local tentava manter em segredo.
Descobriu-se enterrada no deserto, relativamente próximo ao sítio arqueológico de Deir El-Bahari na margem do Rio Nilo, mais uma pirâmide egípcia, maior e mais antiga que as famosas pirâmides de Queóps, Quefrim e Miquerinos. O monumento estava soterrado num enorme vale, estranhamente coberto por rochas e areia, particularmente muito bem ocultado. Centenas de outros mistérios estariam relacionados a essa descoberta.
Como não se sabe ao certo quase nada sobre o monumento, batizaram-no como “A Pirâmide do Faraó Desconhecido”. Enfim, um prato cheio pra qualquer jornalista do mundo.
Milena escutava as explanações do chefe se perguntando o que tinha ela a ver com aquilo, nem mesmo havia entregue a pré-reportagem sobre o vírus T-rh4. No entanto, o que mais surpreendeu a todos na reunião, e principalmente a Milena foram às palavras do Sr. Morales:
–... e para cobrir esse caso e descobrir o que está acontecendo no Egito à indicada pela casa é você Milena Sampaio! – todos os olhares correram em direção a jovem que pareceu afundar na cadeira. – E nem fui o autor da idéia, embora tenha minha total anuência! O novo dono da revista conhece seu trabalho e fez questão que fosse você a jornalista enviada, eu concordei, afinal “o diabo sabe mais por ser velho que por ser diabo!”
Milena não deu atenção aos ditados com que o Sr. Morales costumava ilustrar suas decisões. Sua preocupação maior foi à necessidade que ela viajasse o mais depressa possível para Luxor, a cidade mais próxima da provável localização da pirâmide.
Ainda que aquela não fosse sua área, nem mesmo o foco temático da revista, Milena ficou honrada com o convite, como não ficar honrada com tamanha confiança? Era a realização de um sonho que ela ainda nem tivera ousadia de sonhar.
Outra exigência do proprietário da revista foi que um outro jornalista a acompanhasse, daria mais credibilidade ao artigo. A reportagem seria escrita a quatro mãos.
O jornalista César Hernandez era muito gabaritado, e ele sim, talhado para aquele tipo de jornalismo. César já tinha prêmios por seus trabalhos de reportagem em outras pirâmides e sítios arqueológicos especialmente em Deir El-Bahari e nos Templos de Abu Simbel. Ele trabalhava até a poucas horas para a Co-fator, a revista concorrente que tirava o sono de todos na Vis-à-vis.
Só a troca de editora do jornalista César já causaria um alvoroço na imprensa, o que era previsto pela raposa velha do Sr. Morales, ele assim teria os olhos do Brasil voltados para o caso. Milena era uma mulher bonita, jovem e carismática, César era um homem inteligente e cativante, Morales apostava na química entre os dois, em sua cabeça maquiavélica ele tinha acabado de criar uma dupla infalível. Esse seria seu golpe de misericórdia na revista Co-fator. Para Morales era uma necessidade imperiosa arrasar a revista rival – Antes a Co-fator no chão que a Vis-à-vis no topo! – sentenciou em pensamento.
– Esse menino, Murilo, vai ser o seu assistente e colaborador pessoal. Não vai junto pro Egito, claro, mas você vai precisar de alguém que lhe ajude. Acho que ele pode ser bem útil, ele é meio marrento, mas é um bom garoto!
Os olhos de Murilo brilhavam no fundo da sala, ele era um rapaz encorpado, bonito, mas um pouco imaturo, como dizia o Sr. Morales: com os hormônios em ebulição. Ele mal conseguia acreditar naquela chance que emergia a sua frente. Tinha sido contratado há menos de três semanas e já estava fazendo parte da história da Vis-à-Vis, era bom demais pra ele.
Murilo tinha vinte e um anos e cursava os últimos semestres de jornalismo na mesma faculdade que Milena tinha se formado. Isso já tinha os aproximado, trabalhar com ela seria outro presente, Milena não era vaidosa como a maioria dos funcionários daquela revista, além de tudo era muito bonita, e para Murilo isso também era fundamental.
Ele correu pra casa, como Milena não conseguiria dormir aquela noite, estava muito ansioso. Tentou buscar o sono pesquisando sobre as pirâmides na internet, desistiu, a rede estava muitíssimo lenta, isso aumentaria sua ansiedade. Preferiu esperar o sono na cama, enquanto rezava, afinal Milena ainda não tinha aceitado a proposta.



***



Oscar não tinha visto a notícia com os mesmos olhos profissionais de Milena. Nenhum argumento o havia convencido, nada poderia persuadi-lo. A mais remota possibilidade de adiar outra vez o casamento era inconcebível.
Agravando ainda mais a situação do casal, o anúncio da festa já havia saído em todas as colunas sociais do Brasil e até de fora do país, já que o pai de Oscar era grande acionista de algumas multinacionais bem conceituadas. A família quatrocentona do jovem já estava chegando de todas as partes do mundo para os esponsais do herdeiro Martins de Alcântara.
O pai de Oscar e futuro sogro de Milena, o altivo Egmar Martins de Alcântara era detentor de umas das maiores fortunas do país, ele nunca havia aprovado o casamento e de longa data nutria um profundo e gratuito desafeto por Milena. Com certeza transformaria esse episódio numa catástrofe monumental e irreparável. Oscar não suportaria essa humilhação diante do pai.
Oscar manteve-se mouco as súplicas de Milena para adiar o casamento, e por menos que ela quisesse, podia entendê-lo, e até concordava com suas razões. No lugar de Oscar agiria da mesma forma. Ela chegou a sugerir, inutilmente, que eles se cassassem no próprio Egito.
Milena voltou para redação depois do almoço, completamente abalada com a reação do noivo, queria realmente que as coisas fossem diferentes. Seus colegas observavam seus passos à distância, alguns contentes pelo seu sucesso, outros com inveja, ninguém indiferente.
– Pra você Milena, chegou a pouquinho! – Milena foi desperta de seus pensamentos por Murilo que trazia um buquê de rosas muito bem arrumadas num lindo arranjo. Sentiu um calor no coração. Murilo estava adorando aquela subserviência consentida, não desejava factualmente Milena, na visão dele bastava estar próximo daquele monumento de mulher.
As rosas tinham chego na redação antes mesmo que ela. Ao longe pode ver o rosto feliz de Totila Kochi torcendo por uma reconciliação, ela era a mais fiel entre suas amigas.
O cartão não dizia exatamente o que a jovem desejava. Oscar numa derradeira tentativa de demovê-la da idéia de viajar, deixou claro seu apelo e sua decisão irrevogável de não adiar o casamento.
Três coisas ficaram claras na mente de Milena, e eram certas: 1ª – Oscar era o homem de sua vida; 2ª – aquela reportagem no Egito era a chance de sua vida; 3ª – ela não poderia ter as duas coisas!

Nem bem o prazo se extinguiu e o Sr. Morales a esperava em sua sala, Murilo por perto torcia pelo sim de Milena. Morales como um inquisidor a encarava ciosamente e entre uma baforada e outra esperava uma resposta.

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