quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

A ESTAÇÃO (dueto)


Mathias estava na estação antes mesmo do horário combinado. O trem só passaria por volta das 19:30, mas ele preferiu chegar mais cedo.

A estação estava quase vazia, não eram muitos que chegavam à cidade e quase ninguém partia dali.

Sentou-se num dos bancos da pequena plataforma. Estava ansioso, com a boca seca e a garganta arranhando. Não sentia-se feliz ou triste, sabia apenas que estava incomodado com aquilo, talvez ainda não fosse a hora de partir.

Preferia ficar só naquela espera, mas um senhor de cabelos brancos que nunca tinha visto antes sentou ao seu lado.

O velho certamente tinha mais de sessenta anos e trazia um jornal enrolado debaixo do braço. Enquanto sentava ia bramindo os esperados gemidos pela idade avançada.

Olhou para Mathias e deu um amistoso sorriso com seus dentes levemente amarelados: - Acho que precisamos ter uma conversa... – falou emblematicamente encarando o jovem.

Mathias olhou para aquele senhor que o encarava cioso, e tornou a olhar pra baixo, porém agora se sentia apreensivo com a situação, justamente o que vinha tentando evitar.

De qualquer maneira, conseguia ver e, com certeza, sentir o olhar estranho e pesaroso daquele também estranho e enigmático senhor.

Ergueu a cabeça novamente, tornando a olhar para seu vizinho de banco e notou alguma semelhança naquele rosto intensamente marcado pelo tempo.

Sorriu meio encabulado, meio sem graça e com um sensível tom de incerteza em sua voz perguntou: - O senhor disse alguma coisa? – ele na verdade torcia para que aquele estranho rosto familiar não respondesse. Fingiu se acomodar no banco onde obviamente não havia maneira confortável de sentar.

O homem abriu despretensiosamente o jornal que era do dia anterior, e lentamente desviou seu olhar para as noticias que não faziam a mínima diferença pra ele: - Não imaginei estaria tão calmo hoje. Vejo que realmente estamos fazendo a coisa certa...

Desta vez Mathias ouviu claramente a voz do homem e sabia que aquela conversa era com ele. Já tinha escutado aquele tipo e discurso um bocado de vezes antes.

Num repente reconheceu aquela voz e um arrepio correu-lhe pela espinha. Sem falar nada ele olhou para suas próprias mãos. Sentiu uma vontade de chorar, junto com o conforto e a calma daquelas lembranças.

O som do trem se aproximando fez com que o velho enrolasse rapidamente o jornal e se levantasse. Mathias fez o mesmo acompanhando-o no gesto.

O jovem por impulso segurou a mão daquele estranho. Sem encará-lo, continuava a olhar para o chão, que certamente estava ali desde os áureos tempos em que aquela estação de trem era a principal forma de chegar ou deixar aquele lugar, mas agora mantinha muito pouco que se pudesse lembrar daqueles tempos.

Já nos degraus do trem quase parado, um homem todo vestido com um uniforme azul, onde se podia ler o nome da empresa ferroviária, sorriu para o velho.

- O senhor não vai acompanhá-lo hoje? - indagou o homem com um tom preocupado ao receber só uma passagem. Pegou a outra mão de Mathias e o ajudou a subir no trem.

- Não... mas não se preocupe, Srta. Laverne irá pegá-lo na estação... Ele ficará bem, está medicado - afirmou o velho tranquilizando o incrédulo homem de azul.

- Acho bom, da ultima vez ele não se comportou bem. - comentou ainda segurando Mathias pelo braço, porem com mais firmeza que antes - Se ele tiver outro de seus ataques...

- Não se preocupe, – interrompeu o velho abrindo outro de seus sorrisos, deixando a mostra seus dentes amarelados, novamente - ele tomou uma dose extra essa manhã. Deve estar ansioso, mas nada além disso. Acho que até me reconheceu por alguns instantes... - continuou ele, querendo acalmar o homem do trem.

- Ok, deve saber o que diz! - afirmou com tom contrariado enquanto dava as costas para o velho e ia puxando Mathias.

O senhor esperou a partida, no seu olhar um misto de tristeza e preocupação. Pelo reflexo dos seus óculos, conseguia-se perceber o movimento de trem ainda lento, mas ganhando velocidade a cada segundo.

Continuou olhando o trem como se quisesse ter certeza que partiria sem maiores problemas e continuou assim até não poder mais vê-lo no horizonte.



O QUE É O DUETO?

Estou escrevendo alguns contos com a ajuda de amigos. A dinâmica não é complexa. Aleatóriamente começo um texto e mando a um amigo para que prossiga a história sem qualquer informação extra. O que vier dali é a mais pura criatividade e jogo de cintura. Espero que os textos tenham nexo (ou não)!!

Dessa vez quem partilhou dos meus devaneios literários foi meu amigo Elton que hoje está morando em São Paulo!!
MUITO OBRIGADO
PELA PARCERIA QUERIDÃO !!

E o resultado dessa "melódia" foi que a tuba tocou assim!!


p.s. link do dueto anterior: A REFORMA
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