sábado, 24 de janeiro de 2009

A REFORMA (dueto)

Susana estava nervosa, mal conseguia controlar o tremor de suas mãos que só era superado pelo aflitivo suor que encharcava constantemente suas palmas. O relógio na parede indicava 19:30, mas aquela informação não lhe fazia o menor sentido.

Por mais que ela tentasse desviar seus pensamentos, eles adquiriam vontade própria e voltavam sempre ao mesmo ponto, remoendo aquele fato que a estava mortificando desde o fim daquela manhã, quando entrara no apartamento.

Em seus quarenta e três anos ela poucas vezes tinha ficado assim antes, e sentia que toda essa torrente só teria fim quando a represa rompesse, e a represa já estava bastante avariada com rachaduras profundas e irremediáveis.

A sala parecia pequena para o tamanho de sua aflição. Caminhava ora apressadamente ora lentamente, mas sempre em círculos desordenados pelo barulhento piso do apartamento recém reformado.

Inutilmente ajustava um quadro na parede, um móvel irregular, uma poeira quase inexistente, tudo na intenção de desviar sua mente, mas sabia-se que era improfícuo. Dentro dela seus pensamentos a torturavam de forma cruel e exponencial.

Pensou em acender um cigarro, tomar uma dose de uísque, mas mesmo que quisesse isso seria impossível pois não tinha naquela casa esse tipo de artifício insalubre. O som do taco no piso começou a incomodá-la também. Não sabia que a sala, depois da reforma tinha ficado com o piso tão liso e barulhento.

- Como se não bastasse toda a turbulência dentro da minha cabeça. - pensou.

As paredes do lugar eram verdes e embora ela estimasse a cor, e a tivesse escolhido pessoalmente, preferia um verde mais forte e aveludado, e não aquele tom apagado.

Susana estava tão absorta que sequer percebeu a chegada de mais alguém na sala.

Ela olhava em volta e tudo estava tão bem arrumado que nem sua crítica acreditava. Impaciente procurava qualquer erro.

- O que está errado? - se perguntou.

Susana, achava que aquele lugar queria lhe dizer algo secretamente. Mas como diria isto sem que pessoas lhe taxassem de anormal?

Ela não se assustou com a presença daquele homem de terno que a observava, ao contrário, confiou mais uma vez seu segredo a Frederico, seu marido. Apesar de toda a reforma feita, mesmo eles tendo quase reconstruído o apartamento, tudo aquilo ainda existia ali.

Todas as rachaduras, a umidade anormal e o mofo arraigado haviam sido retirados, assim como todo o reboco velho arrumado.

Frederico consumiu boa parte das economias do casal naquela reforma quase que emocional.

A presença dele não diminuiu sua ansiedade, alias, Frederico quase não foi percebido ali.

Certa de que ajudaria, Susana abriu a bolsa e procurou seus calmantes, eles nunca lhe falhavam, e não seria agora que isso aconteceria. Tomou à seco dois de uma vez, ela queria a certeza que a calmaria viria com êxito.

- Mas então porque essas coisas continuam aqui? - perguntou Susana.

Frederico permaneceu calado, ele sabia que não era pra ele que ela perguntava aquelas coisas psicóticas.

Durante a reforma Susana supervisionou tudo. Meticulosa, nada queria fora lugar ou de seu controle, no intuito que tudo pudesse mudar.

Não entendia porque tanta confusão havia naquele apartamento se tudo estava em ordem. Aquele lugar lhe trazia tantas lembranças mesmo parecendo novo.

Talvez fosse este o problema. Talvez se tudo fosse demolido e construído novamente, nada daquilo mais estaria encravado na paredes.

A verdade é que não importava o lugar, a reforma ou o dia, os conflitos estavam dentro de sua cabeça.

Susana começara a ficar sonolenta, as paredes se fechavam e as luzes se escureciam, pensou que fosse o efeito do remédio que não tardava, mas a estranha sensação de sufocamento era atípica.

Antes que sua visão se escurecesse a totalidade, Susana ouviu a voz nervosa de seu marido mais uma vez dizendo: - Tudo ficará bem querida, seja paciente!

Naquele momento Susana percebeu, consternada, que as cores das paletas dos mostruários não eram fiéis e, principalmente, que sua severa alergia aqueles materiais não havia se curado.

Se sobrevivesse aquele ataque ela jamais usaria novamente tinta comum em sua casa.

O QUE É O DUETO?

Pretendo escrever alguns contos com a ajuda de alguns amigos. A dinâmica não é complexa. Aleatóriamente começo um texto e mando a um amigo para que prossiga a história sem qualquer informação extra. O que vier dali é a mais pura criatividade e jogo de cintura. Quando o texto volta pra mim, arremato e concluo a história. Espero que de certo e que os textos tenham nexo.

Minha primeira vitima foi meu amigo Peter.
O resultado você mesmo julga no texto ai em cima!

Um comentário:

Dom Fernando II disse...

Mas onde começou o Peter e onde vc começou? Ficou dificil dizer.
Acho q o Peter deu a ideia do Frederico (publicitários, hehehe). Esse é um nome q só no diminutivo fica bonito, kkkk
abraços

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