quinta-feira, 20 de novembro de 2008

A ESPERA


Já passava das quatro da madrugada e ele ainda não havia chegado. Ela acompanhava o letárgico ponteiro do relógio pendurado na parede da cozinha, e ele parecia desafiá-la quase parando.

Não era a primeira vez que ficava naquele desespero a espera do seu retorno. Infelizmente coisas horríveis não lhe deixavam a mente em paz. Dormir seria impossível.

A sirene distante de uma ambulância crispou seus músculos já tensos. Pensou em ligar para alguém, mas sentiu vergonha da situação. Não gostaria de humilhar-se a esse ponto. Todos na cidade pareciam descansar, coisa que ela desejava fazer, mas não conseguia.

O apartamento estava completamente no escuro, a penumbra ilustrava primorosamente seu estado de espírito. Além de escuro estava completamente vazio. Era assim que ela sentia. Nem mesmo sua presença era capaz de ocupar aquele imóvel. Sentia-se um espírito errante vagando pelos cômodos.

Foi a até a cozinha novamente e olhou o relógio que ainda não havia se mexido. Conferiu se as pilhas estavam em ordem, ela sabia que estariam.

Havia deixado sobre o aparador da sala de jantar o porta-retrato com a foto dele que mais gostava. Na foto ele estava realmente magnífico. Ninguém que pusesse os olhos sobre aquele retrato conseguia ser indiferente, o elogio era sempre rasgado. Ela não havia saído tão bem na foto, mas o importante era ele, vistoso, garboso e único.

Pensou em tomar alguns ansioliticos, mas logo declinou. Tinha que estar acordada e atenta, vigiando sua chegada.

Conjeturou o retorno dele. Não perderia tempo com brigas, já fizera isso antes de maneira improfícua. Apenas iria abraçá-lo e esquecer aqueles momentos de angustia.

Assim amanheceu o dia e nem sinal dele.

Ela chegou a cochilar no sofá, mas despertara ainda mais nervosa e tomada por uma dor de cabeça devastadora.

Correu os olhos pela sala e lá estava ele. Encararam-se ciosamente por alguns segundos. Ele sabia do desespero dela, ela sabia do instinto dele.

Em passos sinuosos ele foi até ela e se aconchegou em seu colo. Ronronou e acomodou-se. Agora os dois poderiam dormir em paz. Ela aliviada por ele e ele saciado pela rua.

Ela sabia que gatos tem vida própria muito além do domínio de seus donos.

Porém, já nascemos livres!


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