quarta-feira, 13 de maio de 2009

O NINHO (dueto inverso)

- Se você não subir por esta escada agora, quando voltar me encontrará morta!

Os vasos quebrados, as marcas no rosto, a maquiagem borrada, tudo estava em sintonia com o grau de superlatividade que a protagonista dava a cena.

O homem que não soube ordenar os álibis não balbuciou sobre a ameaça desferida e seguiu os trinta metros em direção ao carro carregando apenas o que ali havia consigo, crendo que o dramalhão ali presenciado teria seu desfecho no dia seguinte sem maiores tragédias, como aconteceu durante os últimos meses do casal.

Mas, naquele instante, algo havia mudado naquela mulher. As cartas, roupas, perfumes e todo rastro do homem que ali a havia deixado foram amontoados junto à cama, jogados perto da lareira. Ao invés de picar com a tesoura ou incinerá-los, a mulher montou-os a formar uma espécie de ninho e sobre os restos do homem que a deixou, morreu.

O ninho que acolheu sua morte naquela noite foi o mesmo que serviu como berço para que ela renascesse ainda mais vigorosa na manhã seguinte. Ela trazia consigo todos os motivos para sobreviver.

Acordou muito mais cedo que o de costume, teria um dia cheio. Pela janela a forte serração daquela manhã turvou-lhe a visão do que estava por vir.

Deixou ordens claras aos advogados que cuidariam do divorcio, ou da viuvez, como ela preferia tratar o assunto, sendo que ele era o viúvo dela. Ainda naquela manhã ela foi as compras, renovou o guarda-roupa, o salão de beleza lhe deu novos contornos e molduras. Em menos de 24 horas finalmente o corpo estava em simetria com a mudança que seu interior havia sofrido.

Não voltaria a viver naquela casa, não compartilharia mais amigos com ele, não aceitaria subserviente os desmandos daquele homem que tanto amou. Seria sofrido, mas era necessário para a sobrevivência ainda frágil daquela nova mulher. Apesar de tudo não sentiu-se sozinha.

Afagou a abdômen que ainda não dava sinais da vida que se abrigava ali. Enfim a neblina havia se desfeito totalmente e com o céu claro e limpo o sol tocou seu rosto, forte, quente, e ela teve a certeza que fizera a escolha certa.

Adiou por mais tempo que pode o reencontro com o seu viúvo, mas os advogados acharam melhor que as primícias do divorcio fossem discutidas entre eles.

Os dois haviam deixado a casa, mas o encontro seria naquele mesmo chão que pouco tempo atrás testemunhava as juras de amor eterno. Dessa vez ele estava sereno, não sentia nada de especial naquele que seria um encontro de negócios apenas. As brigas tornaram-se tão rotineiras que as últimas já não lhe causavam emoção alguma. Então entrou, caminhou pelo corredor forçando os passos no piso de madeira a fim de anunciar sua chegada.

Não havia a menor intenção de diálogo conciliatório por parte dele, e ao mover-se em direção a mulher, parou a menos de um metro da cama, onde a mesma se encontrava sentada perto a beira.

A mulher já o notara na casa desde que o primeiro movimento e, ao contrário do homem, sentiu que seu corpo reagiu inteiro aquela presença e por um instante pensou em se levantar e ir ao encontro dele.

Na verdade ela não queria, definitivamente, a menor intimidade com ele que ali, a um metro de distância, já não lhe servia de referencia ao passado que ela inventou para aquela nova mulher que estava ali, estreiando uma nova vida a um metro de distância do homem que provocou sua morte prematura.

- Gustavo...

O homem avançou e sentou ao seu lado e entre os dois corpos criou-se um vão gigantesco, interligado por uma ponte que estava ruindo.

- Imagino que você veio para começarmos de onde paramos, mas já aviso que o meu começo não te inclui. Te deixo a casa, os móveis e toda a história que aqui tivemos, nem o seu sobrenome quero levar, sairei daqui carregando apenas o que é meu de direito.

Gustavo não entendeu os detalhes do que ela havia dito, mas soube, pelo tom empregado, que não haveria volta e perdeu-se de subito. Ao olhar aquela estranha saindo da casa carregando consigo apenas uma pequena valise foi ele quem sentiu-se um estranho no ninho.

Ficou ali, admirando aquela nova mulher que não chegaria a entrar em sua vida. Não conseguiu compara-la a antiga mulher que deixava sua vida. Antes que ela atingisse o hall, ele notou que seu fluxo sanguíneo direcionava o sangue a uma velocidade muito mais rápida que o normal e antes que conseguisse pronunciar o nome dela, a mulher já tinha batido a porta da rua.

E foi então que ele se apaixonou por aquela mulher e nunca mais a viu, nem ela e nem quem ela trazia consigo no ventre.

O QUE É O DUETO INVERSO?

Eu sabia que um dia chegaria minha vez! Não é nada muito novo, é a mesma fórmula dos DUETOS anteriores, simplificadamente um começa um conto e um outro termina. A diferença é que dessa vez não foi eu quem começou. Dom Fernando puxou o tema e o resto vocês já sabem...


p.s. link dos duetos anteriores:
A MORTALHA, O EXTRATO, A REFORMA
, A ESTAÇÃO

Um comentário:

Dom Fernando II disse...

Gostei das ultimas pinceladas, exceto que vc trocou o nome !!!
rsrsrs
Mas creio q foi por um bom motivo (ou nem se ligou né?)
abraços e que outros venham né? E como foi a sensação?
abração
DOM

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