segunda-feira, 28 de junho de 2010

O TRAPICHE (DUETO)


Já passava das sete horas e o sol se punha magnificamente dourando toda extensão de mar que seus olhos podiam abarcar. Aquele era o terceiro dia de espera.

Heitor contemplava silenciosamente o mar calmo que em sons aprazíveis chegava translúcido à beira da praia. O mar plácido e limpo contrastava com seus pensamentos revoltos e turvos. Mesmo assim o homem mantinha a fisionomia impassível e olhar distante, perdido no mar. Era por dentro dele que tudo acontecia.

Antes que o sol desaparecesse por completo mergulhando no mar, ele caminhou pela praia aproveitando a réstia de luz até chegar a um trapiche abandonado.

Heitor caminhou ordeiro até o fim do trapiche. Ouvia os estalos da madeira sob seus pés e isso trazia-lhe um pouco de discernimento, afinal seguidamente perdia-se em seus pensamentos quase esquecendo a realidade a sua volta.

Agora estavam os três ali irmanados. Ele, o velho barco e a espera, no entanto, a espera havia chegado ao fim.

Como sempre, bela, ela veio. O cabelo ao vento parecia conservar a maciez que por muitas vezes sentira entre seus dedos. Seu olhar era doce e explicava a Heitor sua felicidade, mexendo com os sentimentos e tudo que acontecia dentro dele.

– Você demorou... – disse Heitor e nesse mesmo momento percebeu que a felicidade por encontrá-la se converteria no oposto com a conversa que inevitavelmente teriam.

– Você só me permitiu chegar agora. – disse num tom irreconhecível para ele.

– Queria entender o que aconteceu...– a voz de Heitor quase não se ouvia.

– Para isso você precisa tentar...- completou enquanto deixa o trapiche e encontrava a praia.

Heitor pensou nas perguntas e tentou alinhar as respostas com suas expectativas. Era sempre o mesmo erro. Não considerava o abismo entre a realidade e as expectativas. Mas resolveu, como ela disse, tentar.

– É possível buscar felicidade agora? – Heitor alcançou-a na praia. – Sim, é possível! – respondeu ela, já sem apresentar o constrangimento que aparentava das outras vezes.

– Somente a sua própria então. Mas já pensou em mim? Nos pequenos? Em todos os outros? 

– Justamente, pensei. – respondeu novamente, mas agora encarando Heitor. – E a vida é completa agora? – perguntou ele com medo da resposta.

– É somente completa a vida dos que se esbaldam na tranquilidade o tempo todo? Seria completa a vida dos que nunca sofreram? Dos que nunca provaram a desilusão? Dos que nunca tiveram seu coração partido? Dos que nunca tentaram?

– Besteira. – pensou Heitor em voz alta, para ele nada poderia ser substituído pelo que já tinham conquistado juntos.

– Pensei que tentava entender...

– Não foi justo. – interrompeu ele.

– O fim de uma vida nunca é justo.

Heitor percebeu que era sempre o mesmo fim. Sempre as mesmas respostas. Mas também sempre as mesmas perguntas.

Pensou em falar do amor. Ela entendeu, e foi se distanciando, rabiscando com os pés palavras que Heitor nunca conseguiu entender.

Sempre as mesmas palavras?

Heitor se esforçou para enxergá-las, e acabou abrindo os olhos. Era também sempre o mesmo sonho.


MAKING OF:
Quando aparece o DUETO aqui no blog quer dizer que eu começei a escrever um 'conto' e no meio do caminho passei a bola (expressão válida em tempo de Copa do Mundo) para algum convidado especial, que sem saber de nada previamente tem que continuar a estória. O resultado é esse que pode ser conferido aqui.

O TRAPICHE tem uma vida longa. Há mais de um ano entreguei parte desse texto para meu amigo Ataualpa finalizar (o nome é esse mesmo, não digitei errado - tstststs - perdão Apa!). Sendo ele um publicitário formado, achei que seria simples e rápida a resposta! Não foi simples, muito menos rápida. Tanto que cheguei, eu mesmo, a dar uma versão só minha ao texto, que pode ser vista AQUI.
No entanto, para minha surpresa esse mês posou em meus e-mails o conto com a versão dele. Não foi um milagre, uma série de outros fatores externos é que estimularam essa versão. Há uma incontável quantidade de mensagens subliminares neste conto, assim como um incontável número de perguntas sem respostas... Se fosse há um mês atrás, essa discrição seria bem diferente, talvez tão diferente que nem o conto tivesse nascido. Mas nasceu. Tá aqui e reflete esses 6 anos de amizade.

 

2 comentários:

Richard Mathenhauer disse...

O fim de uma vida nunca é justo.
Mas, de que justiça ousamos falar?

Abraços!

railer disse...

legal o texto, só fiquei preocupado com essa 'responsabilidade' que você joga no outro, de 'ter que' continuar a estória sem mesmo saber de nada.

o 'ter que' muitas vezes é ruim. talvez seja esse o motivo da demora. quando se deixou de lado e fingiu que não aconteceria, a responsabilidade caiu e então, como mágica, o texto novo surgiu.

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